Poster de Santana para Pendurar nas Juntas Espanta e Indigna Vários Autarcas
Por ANA HENRIQUES
Quarta-feira, 26 de Janeiro de 2005
A recente chegada a muitas juntas de freguesia de todo o país de um retrato oficial do primeiro-ministro demissionário Santana Lopes está a espantar e a indignar vários autarcas país fora.
A maioria dos presidentes de junta contactados pelo PÚBLICO garante que não o vai pendurar na parede, autarcas do PSD incluídos. As razões apresentadas são várias. Em vários casos o poster chegou já depois de o Presidente da República ter dissolvido o Parlamento, razão pela qual o consideram extemporâneo. Por outro lado, há quem pense que o gesto cheira a "tempos da outra senhora". É o caso dos presidentes da junta socialista de Veracruz, Aveiro. e das juntas comunistas de Salvador, em Beja, e de Alcântara, em Lisboa. Este último, José Godinho, diz que deitou a imagem de Santana no lixo. "Isto é uma vergonha, é absolutamente ridículo! Nos tempos do Guterres recebi uma fotografia dele, depois uma do 'cherne' e agora este!". O seu colega socialista Fernando Saraiva, de Benfica, pensou em devolver a prenda à procedência, mas depois assaltou-o uma dúvida: "E se aproveitam aquilo para a campanha eleitoral?".
Terão sido produzidos mais de quatro mil posters de Santana, tantos quantas as juntas de freguesia do país, aos quais há que adicionar os 200 distribuídos pelas representações diplomáticas portuguesas. O porta-voz de Santana Lopes, João Paulo Velez, assegura que a foto foi feita ainda em Novembro, quando ninguém previa a dissolução da Assembleia da República. O "arrastar do processo logístico" explica, nas suas palavras, a razão pela qual ainda há juntas a receber o poster a menos de um mês das eleições. "Não fazia sentido ele chegar a umas juntas e não a outras", acrescenta.
Até os autarcas sociais-democratas mostram relutância em pendurar na parede o retrato do seu líder. O independente eleito nas listas do PSD que preside a Querença, em Loulé, põe as coisas nos seguintes termos: "Tínhamos de fazer uma moldura bonita para o rapaz e quando ela ficasse pronta já ele não era primeiro-ministro. ". O social-democrata que encabeça Rebordãos, em Bragança, tem ainda menos papas na língua: "A foto foi para o arquivo, como as dos outros. Eles se quiserem mostrar-se que venham cá".
"O arquivo" é, aliás, o destino que muitos autarcas dizem ter dado ao poster, cuja menção provoca risota em várias juntas. "Já cá temos a do Guterres, daqui a uns anos abrimos um museu!", ironiza o autarca de Salvador. "Trata-se de uma recordação da passagem do dr. Santana Lopes pelo Governo", assinala uma funcionária da Junta da Trafaria, entre gargalhadas.
O socialista de Veracruz mostra-se sobretudo indignado: "É uma 'sem-vergonhice' mandarem-nos o retrato nesta altura! É fazer campanha eleitoral com dinheiros do erário público", critica "Não sei se um governo de gestão tem legitimidade para fazer isto", corrobora a sua correligionária de Miragaia Ana Pereira. "Devia haver algum decoro nestas coisas". Fernando Saraiva faz as contas de cabeça: "É uma fotografia enorme, deve ter custado uma fortuna num país que está de tanga. Não sei o que hei-de fazer àquilo".
Ana Sara Brito, outra socialista que trabalhou 37 anos na Função Pública, preside a uma das freguesias do Bairro Alto, em Lisboa, e expressa uma opinião comum a autarcas de vários partidos: retratos nas juntas só mesmo o do PR. "É essa a regra na Função Pública", sublinha, para acrescentar: "E propaganda com dinheiro dos nossos impostos, isso é que não!".
Manuel Martins, eleito pelo PP em Ribeira de Fráguas, Albergaria-a-Velha, foi o único autarca contactado pelo PÚBLICO que disse ter o poster afixado. Mas ri-se quando se lhe fala no assunto e conclui que foi "caricato" o "timing" do Governo para enviar a foto oficial do agora candidato ao cargo de primeiro-ministro.
Mordaz, o comunista que está à frente de Marvila, em Lisboa, explica em que condições admitirá afixar o retrato do primeiro-ministro: "Quando a junta de freguesia tiver instalações condignas para ele".