...finalmente trago à estampa o último trecho da crónica do Dr. Mário Soares, do DN de terça-feira passada. Recordo, que comecei a publicar do 4.º ponto versado para o primeiro: nada de confusões! Foi um método usado e estritamente pessoal da selecção do texto. As desculpas para o autor.
1. Barack Obama é uma personalidade política única nesta fase global, incerta e insegura, que o mundo atravessa. É alguém que sabe o que quer e para onde deve ir. Tem uma cultura humanística excepcional e uma visão realmente global do que é preciso fazer para assegurar a paz e a convivência entre diferentes - e mesmo ex-rivais - num momento de crise aguda, que começou e tanto afecta, ainda, os Estados Unidos.
Recebeu uma herança terrível do seu predecessor e, em dois anos, tem vindo a procurar inverter radicalmente a situação, não obstante a agressividade dos seus opositores internos, primários e ignorantes, do Tea Party, e, em geral, dos conservadores do Partido Republicano. Apesar da derrota sofrida nas eleições do meio do seu mandato, que lhe cria problemas sérios no Congresso, mantém a calma e prossegue, imperturbável, o seu caminho.
Os portugueses tiveram a oportunidade de ver Obama, em directo, pelas televisões, e de compreender, como actuou durante os dois dias, repletos de eventos, que esteve em Portugal, nas cimeiras da NATO e dos Estados Unidos/ /União Europeia e no encontro (histórico) com o Presidente russo, Medvedev, donde saiu uma parceria entre a NATO e a Rússia. Que diferença entre Barack Obama e os seus homólogos europeus, que quase desapareceram de cena, ofuscados quanto à clareza, clarividência, simplicidade das suas posições e à sua visão global de um mundo de paz, de prosperidade e de coexistência!...
A Europa, maioritariamente conservadora, que nos governa - bem como grande parte da imprensa europeia - nunca apreciou especialmente Obama. Ao contrário dos cidadãos europeus, que sempre o aclamaram, entusiasticamente, em todos os países por onde passou. Em Portugal, salvo honrosas excepções, a nossa imprensa empenhou-se, durante a sua estada, mais em descrever o avião que o trouxe - o Air Force One -, a contar o números dos seus seguranças e o insólito dos seus dois Cadillacs gémeos, "as bestas", como lhes chamam, do que a comentar o que disse, que foi tão importante, a influência natural que provoca nos seus interlocutores e, ao mesmo tempo, a simplicidade com que falou com toda a gente...
Reflicta-se como Obama, em dois anos, mudou a imagem da América, em todos os continentes e tanto fez pela paz e pela boa convivência entre os povos. Foi um arauto do multiculturalismo, advogando a pluralidade de um mundo global e procurando recentrar a ONU. Criou uma relação especial com a China, que, aliás, foi mal interpretada, pelos europeus, na Conferência de Copenhaga. E, depois, com a Rússia, como agora se verificou, com a presença do Presidente Dmitri Medvedev e as conclusões que resultaram da nova parceria entre a NATO e a Rússia e dos acordos que se estabeleceram quanto à defesa antimíssil. Quem, nos tempos da Guerra Fria, seria capaz de pensar em tal? Ou mesmo depois da queda do Muro de Berlim, do colapso da URSS e do comunismo ou da era Bush?
Durante a viagem que fez pela Ásia - que ganhou uma nova centralidade com os países emergentes -, Barack Obama visitou a Índia, a Indonésia, a Coreia do Sul e o Japão, todos países democráticos, com os quais estabeleceu laços muito fortes. Foi uma forma pacífica e inteligente de "cercar" a China, assegurando entre os grandes potentados asiáticos que não haverá conflitos bélicos, nos próximos anos, e que os Estados Unidos se tornaram, ao contrário do que eram, um interlocutor de paz e um eventual mediador dos conflitos que possam surgir.
Nas cimeiras de Lisboa, transformou a NATO numa organização pacífica e de cooperação entre antigos Estados inimigos, como a Rússia. E encontrou uma saída para a Guerra do Afeganistão, semelhante à do Iraque, limitando a intervenção das tropas americanas - e dos seus Aliados - com o aval da ONU, até 2014. Já não era sem tempo.
É óbvio que o complexo industrial e militar americano, denunciado por Eisenhower, há tantos anos, não ficará satisfeito. Contudo, Barack Obama deu um passo enorme em favor da paz e da sua visão política global, que até agora claudicava em relação ao Afeganistão. Ficará mais à vontade - e com mais autoridade - para pressionar Israel e a Autoridade Palestiniana, no sentido da paz e para convencer o Irão (que lançou um míssil no sábado passado e não foi por acaso) de que o mundo não aceita mais a proliferação das armas nucleares. Embora o Congresso americano não tenha ratificado ainda o Stark II, o que não vai ser nada fácil.
Claro que o terrorismo islâmico tem de continuar a ser eficazmente combatido. Mas com inteligência e por outros meios que não envolvam os Estados Unidos em guerras com Estados soberanos, que se sabe quando começam mas não quando e como acabam. Foi o que sucedeu com as infelizes guerras em que Bush envolveu os Estados Unidos e a Europa, contra o Afeganistão e o Iraque, arrasando as populações e os respectivos Estados, sem tocar no terrorismo, nem no próprio Ben Laden. Pelo contrário, alimentando-os. Vide os actos criminosos de pirataria que têm vindo a ocorrer no Sudão".