domingo, janeiro 30, 2005

Estará o Professor a caminho de Belém?

OPINIÃO



Diogo Freitas do Amaral 27 Jan. 2005


(In Visâo)

O voto necessário no PS



Terminei o meu artigo da semana passada, nesta revista, dizendo que «no próximo dia 20 de Fevereiro, todos temos de ir votar – e escolher o projecto que nos parecer mais consistente, eficaz e mobilizador».

Hoje, dou a minha opinião sobre o assunto e, começando pelo fim, não tenho dúvida em afirmar publicamente que, no meu entender, o voto necessário é no PS.

Faço-o como cidadão independente, que não pertence a nenhum partido, e por isso pode escolher em cada momento o que lhe parecer melhor para o País.

Faço-o como centrista, que sempre se declarou aberto a alianças quer com o centro-esquerda quer com o centro-direita, orientação que se concretizou primeiro, em 1978, com o governo PS-CDS e, depois, em 1980, com os governos da AD.

Faço-o, também, como democrata-cristão (independente), que considera tão importante uma generosa política de justiça social como uma adequada política económico-financeira – e não apenas esta.

E, assim, com a mesma liberdade de espírito e de atitude política com que apoiei, em 2002, o PSD de Durão Barroso, apoio agora, sem hesitar, o PS de José Sócrates. É essa, a meu ver, a melhor solução para Portugal, na presente conjuntura.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, é preciso ir votar. A abstenção, o voto em branco ou o voto nulo são renúncias à cidadania. Quem não fizer agora uma escolha política, demite-se de contribuir para a orientação geral da vida colectiva. Passa de cidadão activo a cidadão passivo. E não poderá queixar-se de nada do que porventura acontecer de negativo nos próximos quatro anos na política portuguesa.

Em segundo lugar, ou se vota com o coração ou se vota com a cabeça. No primeiro caso, é perfeitamente legítimo votar num dos três partidos mais pequenos: isso proporcionará um prazer individual. Mas só votando com a cabeça, num dos dois maiores partidos (PS ou PSD), se estará a contribuir directamente para escolher o próximo governo e o próximo primeiro-ministro: o que proporcionará o prazer de participar na principal decisão colectiva.

Para quem saiba e queira pensar em termos nacionais, o voto só pode ser, portanto, no PS ou no PSD. Como optar, face a esta alternativa?

Antes de mais, compete ao eleitorado fazer um julgamento político acerca da governação PSD-PP dos últimos três anos. Em minha opinião, esse julgamento só pode ser negativo: do ponto de vista estratégico, não avançámos nada nas bases do nosso desenvolvimento; do ponto de vista económico-financeiro, não consolidámos as finanças públicas; do ponto de vista social, não combatemos a pobreza nem diminuímos o fosso entre ricos e pobres; enfim, do ponto de vista político, trocaram-nos (sem o nosso voto) um primeiro-ministro que saiu cedo de mais por outro que o País quer que saia já.

Este, o lado negativo das coisas. Vejamo-las agora pelo lado positivo. Por este ângulo, há três aspectos a considerar – os programas apresentados, a coesão interna dos dois partidos que se propõem formar governo, e a personalidade dos candidatos a primeiro-ministro.

Quanto aos programas, devo dizer que tanto no do PS como no do PSD há, do meu ponto de vista, ideias interessantes e que me parecem úteis ao País. Mas, de um modo geral, parece-me que o programa do PS é melhor do que o do PSD, pelas seguintes razões principais:

1) Estratégia a médio prazo: o PS propõe um «choque tecnológico», baseado na Agenda de Lisboa, aprovada pela União Europeia, o que é correcto e indispensável, porque é uma aposta na melhoria da qualificação individual dos portugueses; o PSD propõe um «choque de gestão» (que ninguém sabe ao certo o que é), prometendo gerir bem o que em três anos geriu mal;

2) Política económica: o PS aposta no crescimento económico como forma de criar emprego, o que está certo e é viável; o PSD propõe um enorme aumento de produtividade, que seria bem desejável, mas é pura e simplesmente inatingível em quatro anos (talvez o seja em 10 ou em 12…);

3) Finanças públicas: o PS apresenta uma posição responsável – não diminuir os impostos, abstendo-se de prometer que eles não subirão em caso nenhum –, enquanto o PSD, uma vez mais, não resiste à tentação demagógica de prometer uma diminuição de impostos, que a conjuntura económico-financeira o impede de cumprir;

4) Combate à pobreza: ambos os partidos a propõem (já é um avanço), mas o programa do PS é mais generoso, ao passo que o do PSD é demasiado tecnocrático;

5) Ciência e Ensino Superior: a prioridade à duplicação do investimento na Ciência e à rápida concretização do processo de Bolonha, constante do programa do PS, contrasta de forma bem patente com a passividade e regressão que caracterizaram os últimos três anos dos governos liderados pelo PSD;

6) Reforma da Administração Pública: sendo esta a «mãe de todas as reformas», está muito mais bem desenhada no texto do PS do que no do PSD. Por outro lado, o objectivo positivo da «regionalização» vem claramente assumido pelo PS para a legislatura de 2009-2013, devendo começar a ser preparado cuidadosamente desde já, enquanto o modelo regional ensaiado pelos governos liderados pelo PSD retalhou o País em pedaços desarticulados e incongruentes, que nada resolvem e tudo complicam;

7) Saúde: o PS, com lucidez e sentido de responsabilidade, não se propõe deixar os hospitais do Estado no caos em que se encontram, e aproveita para transformar os hospitais SA em hospitais EP, o que está certo. Pelo contrário, o PSD insiste na fórmula dos hospitais SA (cotados na bolsa?), que é um absurdo ou, então, visa dar um primeiro passo para depois os privatizar. Em meu entender, o investimento privado na Saúde é bem-vindo, mas não para comprar os velhos hospitais do Estado, e sim para construir e fazer funcionar novos hospitais privados, que pela concorrência obriguem a melhorar a qualidade dos públicos.

Por tudo o que fica dito, não tenho dúvidas em afirmar que, quanto a mim, o programa apresentado pelo PS é melhor do que o do PSD.

Qual o grau de coesão interna dos dois maiores partidos? No PS ela é grande, pois o novo secretário-geral – eleito pelas bases numa disputa renhida com outros dois candidatos – obteve mais de 80% dos votos, e já conseguiu unir o partido, integrando as várias correntes e sensibilidades. No PSD, apesar de um congresso falsamente unanimista, a divisão é cada vez maior entre santanistas, cavaquistas, marcelistas, mendistas, mota-amaralistas, etc., sendo visível que está para muito breve a «noite das facas longas». O PS oferece, pois, maiores garantias de estabilidade governativa.

Finalmente, a questão do candidato a primeiro-ministro. Do eng.º José Sócrates, o País sabe que foi um bom ministro do Ambiente e revelou qualidades de firmeza perante as contestações de rua às suas políticas; do dr. Santana Lopes, o País sabe que nunca foi ministro de nada e que, nos últimos quatro meses, demonstrou diariamente que não nasceu para primeiro-ministro. Entendo, por consequência, que o eng.º Sócrates merece um crédito de confiança da parte do eleitorado – e, até, um duplo crédito, porque já provou ser bom, e porque concorre contra quem provou ser mau.

Considero, assim, que o voto necessário, no dia 20 de Fevereiro, é no PS. E vou mais longe: acho indispensável que ao PS seja concedida uma maioria absoluta – não como benesse, mas como responsabilidade.

Não se pode governar (e muito menos governar com espírito reformista) sem fazer aprovar, na Assembleia da República, durante a próxima legislatura, quatro Orçamentos de Estado e dezenas de leis inovadoras e ousadas. Ou o PS conta com uma maioria disposta a aprovar-lhe os orçamentos e as leis, ou o Governo terá de negociar tudo, caso a caso, com a Oposição. É como se obrigássemos um amigo nosso a resolver os principais problemas da sua vida por negociação e acordo com os seus três maiores inimigos! Que seria?

Querer que o PS governe bem, mas não lhe dar a maioria absoluta, é o mesmo que contratar um grande piloto de Fórmula 1, dizendo-lhe: «Encarrego-te de ganhar o Grande Prémio do Mónaco, mas não te posso dar um Ferrari: terás de concorrer ao volante de um Volkswagen…» É absurdo!

Portanto, e em resumo, o que proponho é: não deixar de votar; votar no PS; e dar-lhe uma maioria absoluta. Tudo o resto servirá apenas para prolongar a agonia de um País que merece melhor sorte.

Compete ao eleitorado fazer um julgamento político acerca da governação PSD-PP dos últimos três anos – e esse julgamento só pode ser negativo. (...) O eng.º Sócrates merece um duplo crédito, da parte do eleitorado: porque já provou ser bom (ministro), e porque concorre contra quem provou ser mau (primeiro-ministro)