«Há clínicas em Portugal que são slot machines de ganhar dinheiro», afirmou Maria José Morgado, numa conferência na Assembleia da República organizada pelo grupo parlamentar do PS e intitulada «Sim à Despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG)».
Para a Procuradora-Geral Adjunta, «o aborto ilegal é um negócio que produz dinheiro sujo, que não é tributado».
«Estes fenómenos potenciam a corrupção, a venalidade e crimes de enriquecimento ilícito», acusou.
No entanto, alertou Maria José Morgado, «a lei não é uma varinha mágica», sublinhando que os problemas sociais na base do aborto vão subsistir.
«Mas é desejável que existam regras, maior controlo, a clandestinidade é o vale-tudo», afirmou Morgado.
A Procuradora-Geral Adjunta, defensora do «sim» no referendo de 11 de Fevereiro, considerou a lei actual «injusta, excessiva e que não corresponde à censurabilidade social» da prática de aborto.
«A norma perdeu a força, mantê-la no Código Penal, para lá de ser uma hipocrisia, pode ser uma porta aberta para excessos totalitários», considerou Morgado, manifestando a sua concordância com uma «descriminalização relativa» do aborto até às dez semanas.
Maria José Morgado deixou ainda algumas críticas à classe médica, lamentando que não reconheça mais frequentemente o perigo para a saúde psíquica da mulher como um motivo para a realização de aborto legal.
«A opinião médica tem sido excessivamente restritiva, autista e até insensível na indicação de causas para a saúde psíquica», criticou.
Antes de Maria José Morgado, a deputada socialista Maria de Belém defendeu que, em caso de vitória do «sim» à despenalização da IVG, a regulamentação da lei exija «a intermediação de um profissional de saúde».
«Este profissional de saúde deve dar apoio tanto às pessoas que querem levar a sua gravidez até ao fim como àquelas que não querem», propôs a ex-ministra da Saúde.
Idêntica opinião manifestou Miguel Oliveira da Silva, professor de Ética Médica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
«A lei que temos impede a possibilidade de haver a intermediação de um profissional de saúde entre o pedido de IVG e a realização da IVG», afirmou.
Para este especialista, a actual lei já «não defende a vida humana», ao contrário do que dizem os defensores do «não».
«Quem quer fazer um aborto, fá-lo. A clandestinidade favorece o aborto a pedido», defendeu.
Na sua intervenção, Miguel Oliveira da Silva fez a distinção entre vida humana e pessoa humana, considerando que às dez semanas não se pode falar na segunda vertente.
«O sistema nervoso central de facto não funciona até às dez semanas (...) É completamente impossível às dez semanas haver sensibilidade, consciência, capacidade relacional entre o feto e a mãe», defendeu, acrescentando que um aborto realizado neste momento da gravidez «é seguro para a mulher e para os técnicos de saúde».