quinta-feira, setembro 23, 2004

In "A Capital", de hoje

A memória da cara da ministra

LUÍS OSÓRIO

A ministra da Educação tem gozado do beneplácito da generalidade da comunicação social. Ainda ontem, neste mesmo espaço, me pareceu que, no essencial, a grande culpa de Maria do Carmo Seabra passava muito mais pela ingenuidade e inexperiência política do que pela responsabilidade pelo crash do sistema informático.

Só que nesta área de actividade - uma esfera onde é essencial que não sejam quebrados os elos de confiança entre eleitos e eleitores - os erros primários pagam-se muito caro. E a senhora ministra, por muita complacência que tenhamos, cometeu demasiados erros primários e, como tal, deveria colocar o lugar à disposição do primeiro--ministro.

Bastaria ver a sua imagem ao lado de Morais Sarmento, que uma vez mais mostrou ser de longe o melhor elemento deste governo, para dela retirarmos as conclusões óbvias. Vimos uma pessoa fragilizada, sem capacidade de virar a situação a seu favor nem de conseguir transmitir aos pais e aos professores uma imagem de tranquilidade. Sem capacidade para, ao menos, iludir o país mostrando um resto de autoridade. Abandonou a sala por uma porta dos fundos e será remetida, como vem nos livros, para essa condição.

Pedro Santana Lopes, retido em Nova Iorque e por estes dias muito mais preocupado com o mundo, já reiterou a confiança na ministra, mas nessa enérgica tomada de posição acabou, mais uma vez, por ficar prisioneiro daquilo que lhe apetece dizer em cada momento, sem zelar pelas consequências que isso lhe possa trazer no futuro. E nos próximos meses, logo numa pasta muito complicada de gerir, o seu governo terá uma ministra a quem, no fundo, ninguém reconhece verdadeira autoridade. Uma ministra que em dois meses não conseguiu resolveu um simples problema informático; que prometeu ao país por três vezes que os resultados estariam disponíveis nas horas seguinte e que ainda não explicou se a empresa responsável por este caos, e em cuja administração estão ou estiveram elementos do PSD, terá de devolver o dinheiro ao ministério.

Em poucas palavras, a continuação da ministra Maria do Carmo Seabra relembrará a cada português uma das mais surrealistas situações de que temos memória colectiva. A sua cara será para muitos, mesmo de uma maneira inconsciente, a imagem do falhanço e da completa incapacidade para resolver problemas e governar.

Mas este executivo, alicerçado por uma maioria parlamentar que convenceu o Presidente da República a viabilizar a solução governativa, não precisou de ser eleito para governar. Este executivo talvez esteja então liberto da premissa da confiança entre os que votam e os que são votados. O primeiro-ministro, ao não deixar cair Maria do Carmo Seabra, pode ter conquistado o céu, mas perdeu mais algum país real.

Já Jorge Sampaio condenou o país a uma instabilidade que durará dois anos, e condenou-se a si próprio ao esquecimento. Não é justo, mas na política poucas são as coisas verdadeiramente justas.


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