Rui Machete Advogado |
A situação de crise financeira grave que o País atravessa resulta de um cumular de erros e complacências ao longo de mais de uma dezena de anos cometidos por diversos governos. As responsabilidades são múltiplas, repartidas pelo PSD e pelo PS, ainda que cabendo a este último uma parte avantajada. Tornou-se, porém, de súbito patente, para grande parte da opinião pública e para o actual Governo, que o plano inclinado dos aumentos do défice orçamental e da dívida pública se tornou insustentável, quer perante as responsabilidades assumidas no seio da União Europeia quer para o próprio funcionamento da nossa economia. Os esforços relativamente solitários de Manuela Ferreira Leite são agora assumidos por este Governo no seu conjunto, apenas se notando aqui e além algumas decisões e notas dissonantes. O problema central que importa resolver, reconhecem-no todos os especialistas, é o da diminuição das despesas correntes do Estado. Nestas assumem particular relevo, pela sua dimensão em gastos com pessoal e material, os serviços de saúde e de educação. Reportando-nos agora apenas a este último, as poupanças respeitantes sobretudo aos docentes que devem ser dispensados e à melhoria da qualidade do serviço prestado são decisivas para o êxito da reforma do Estado. É que, para além da diminuição da procura do ensino, em razão da evolução demográfica, deixar sem ocupação milhares de docentes, a produtividade e eficácia das instituições de ensino é má, como evidencia o cotejo com as suas congéneres americanas e europeias. Ficamos a perder em aproveitamento escolar e percentagem de abandono precoce, em qualificações obtidas pelos estudantes com o mesmo grau de escolaridade, em aptidão e flexibilidade para o mercado de trabalho. Diga-se, aliás, de passagem que a atitude de muitos pais que pretendem que os filhos passem de ano, quer saibam quer não saibam, não ajuda a um clima de exigência. Perante este panorama, que torna socialmente doloroso mas absolutamente imprescindível o rigor da ministra da Educação, a presente actuação dos sindicatos do sector, há que reconhecê-lo, torna-se amarga e difícil. Mas, sob pena de perderem total credibilidade, não deveriam tentar esconder o sol com a peneira. A manifestação de 5 de Outubro passado, as greves que já se anunciam e as frequentes declarações dos dirigentes sindicais do sector vão, porém, no sentido de negar o óbvio, de apresentar argumentos infundamentados e quase pueris ou, na melhor das hipóteses, de formular críticas menores a questões marginais. Imputar as medidas governamentais restritivas à má vontade ou falta de competência da ministra da Educação e da sua equipa representa um exemplo pungente de carência de argumentos sérios. Encontramo-nos, assim, perante o paradigma clássico da colisão entre os interesses sectoriais de uma classe profissional e o bem comum nacional. E também face a um dos desafios mais sérios postos aos sistemas democráticos: ser capaz de tomar medidas impopulares para parte importante do eleitorado, ainda por cima de um eleitorado que, pelas suas características, é presumível que apoie o Governo em exercício e o partido que o sustenta. Haverá, certamente, diversas maneiras de executar o emagrecimento do serviço de educação, umas mais justas e adequadas do que outras. Mas a verdade insofismável é a de que, na presente situação em Portugal, a diminuição do número de docentes se impõe, por- que não há alunos nem trabalho para eles, nem nas escolas e menos ainda nas estruturas centrais do ministério. Impõe-se também que os que fiquem sejam assíduos, cumpram as cargas horárias e se tornem profissionais competentes. Nestes pontos não pode haver tergiversações. Seria mau para o Governo mas, principalmente, constituiria um sinal alarmante da incapacidade do sistema democrático se se registassem cedências a pressões sindicais, a greves ou a manifestações de rua. Tenhamos compreensão para com os sacrificados e ajudemos estes a encontrar outras ocupações e auxiliemos os sindicatos a evitar tornarem-se forças de bloqueio de reformas indispensáveis. A expansão da economia é também por isto que se torna vital. Sem crescimento todas as reformas se tornam muito mais difíceis e dolorosas. Mas acima de tudo que o Governo e os partidos, incluindo os da oposição, não se enganem nas opções e não fraquejem. (In DN de hoje) |